O Instituto Democracia Popular foi criado em novembro de
2013, no bojo do processo de resistência a um projeto arbitrário de realocação coletiva de moradores do Ribeirão dos Padilhas para implantação de um parque linear no bairro Xaxim, em Curitiba. O Instituto foi idealizado pelo Escritório
Filippetto Advogadas, que há 32 anos atua com direito trabalhista, desde a perspectiva da defesa da classe trabalhadora.
A partir do processo de luta pela permanência das famílias
no local de uma comunidade formada há mais de 40 anos, deu-se o encontro da militância trabalhista às causas urbanas, encontro este que culminou na reflexão de indissociabilidade da discussão entre o trabalho e as condições de vida dos e das trabalhadoras em suas moradias e territórios.
O Instituto surgiu assim, idealizado como instrumento de
luta da classe, com vistas à defesa do direito à moradia e à cidade e com o propósito de ampliar a discussão trabalhista, contemplando a realidade das condições de reprodução do trabalho de forma mais ampla, desde a perspectiva
dos territórios e dos direitos sociais.
Ao longo desses dez anos de atuação o Instituto acumula
vitórias e aprendizados, e passou por diversos ciclos de atuação e incidência em torno das políticas públicas locais e hoje figura como espaço de articulação e ferramenta de lutas sociais. Ao longo desta década passamos por muitos cenários políticos e diversas agendas.
No surgimento do IDP, estávamos em um cenário político de um
governo com compromissos consideráveis com os movimentos sociais e praticava políticas sociais e de desenvolvimento em um contexto econômico consideravelmente melhor que o que nos encontramos neste momento. A despeito de tal cenário, o IDP surge de um processo local ensejado justamente neste contexto de maior pujança, pela ameaça de despejo provocada por um projeto do Programa de Aceleramento do Crescimento – PAC. Naquele momento os usos dos recursos federais eram aplicados localmente por governos municipais que partiam de uma
perspectiva de remoção das áreas de ocupações, mesmo que consolidadas, ignorando possibilidades de requalificação e integração urbanística das comunidades.
Em razão desse contexto o IDP surgiu muito associado à incidência pela implantação de uma política efetiva de regularização fundiária de interesse social na cidade de Curitiba e como força articuladora entre diferentes comunidades. Desde então o IDP acompanha e participa ativamente da discussão sobre o planejamento e política urbana em Curitiba, sempre pela
perspectiva do direito à cidade e junto a comunidades.
Ainda nesse mesmo contexto, em seus anos iniciais, a partir da
relação com o Movimento Popular por Moradia – MPM e com as ocupações que hoje conformam as comunidades Nova Primavera, Tiradentes, 29 de Março e Dona Cida, o
Instituto passou a atuar fortemente desde a perspectiva da assessoria jurídica popular pelo direito à moradia, na defesa de comunidade em ações possessórias.
Nessa seara o IDP acompanha e constrói a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Popular - Renap desde 2015 e a Campanha Despejo Zero desde 2020.
Paralelamente ao eixo urbano de atuação, em decorrência de sua
origem na advocacia trabalhista, o Instituto manteve sempre o propósito de pensar a classe e promover processos de formação sobre o mundo do trabalho. Nesse sentido, o primeiro curso de porte da entidade, que congregou diversas organizações sindicais e militantes trabalhistas em um ciclo de estudos longo de um ano, em parceria com a UNICAMP e seu Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho - CESIT. Posteriormente, tivemos mais duas grandes experiências, em 2019, com a Escola Latinoamericana de História e Política (ELAHP) com o curso “Como domina a classe dominante?” e em 2021, com a promoção
do curso livre “O Capital: conceitos fundamentais e reflexões jurídicas”.
A partir de 2016 com o golpe no governo de Dilma Roussef e
posteriormente com o avanço de abusos do sistema de justiça e no ápice do retrocesso com o governo Bolsonaro, o IDP se aprofundou na atuação em torno da democracia, seja pela perspectiva institucional, em torno da participação
popular no planejamento do Estado e no acesso à justiça, mas também, pelo fortalecimento das lutas associativas de base junto a comunidades periféricas. Especialmente desde 2018 e com o agravamento da crise social, essa perspectiva de fortalecimento dos laços associativos e comunitários de base tornou-se cada vez mais importante em nossa atuação.
Os anos de 2020 e 2021 foram de crise em múltiplos aspectos. Além da crise de saúde pública decorrente do Coronavírus e todas as perdas humanas às quais assistimos, a crise econômica e social foi agravada e observamos um processo de empobrecimento dos brasileiros. Nesse contexto, pelo Instituto
encampamos campanhas de solidariedade, primeiramente pela Campanha Resistindo com Solidariedade, junto à Casa da Resistência, o Sindicato dos Bancários e outras entidades e, a partir de 2021, passamos a colaborar com o projeto
Marmitas da Terra, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST. Para nós do Instituto, a colaboração na ação das Marmitas da Terra fortaleceu nossa crença da imprescindibilidade da reforma agrária popular para que tenhamos cidades mais justas e qualidade de vida para a população urbana. Portanto, as lutas pela reforma urbana e pela reforma agrária devem caminhar juntas, visando ao bem viver do povo, notadamente o fortalecimento da classe trabalhadora.
Nesse sentido, temos buscado articular sempre as lutas por
direitos e por política públicas desde a perspectiva de base territorial e da atuação comunitária. Neste escopo, temos hoje como projeto guarda-chuva o “Cidadania e Território”, em curso desde 2019. O projeto partiu do ponto de vista da assessoria jurídica popular, pela percepção da necessidade de qualificar a atuação nas comunidades por meio de processos de formação/educação popular. A dinâmica das lutas locais, normalmente de viés jurídico, quer seja no conflito judicial ou nos processos de negociação com o poder público por melhorias locais, envolve frequentemente um saber técnico não apropriado pelas comunidades. O projeto figura hoje como uma das principais linhas de atuação do IDP e congrega diversos voluntários e parcerias em torno da agenda da assessoria técnica popular e do fortalecimento das lutas comunitárias.
Na abordagem do direito à cidade de forma ampla, mais recentemente o IDP tem se aproximado também de forma mais orgânica da reivindicação em torno da mobilidade urbana e constrói desde 2022 a Articulação Mobilidade Popular – AMP,
que surge como espaço de encontro de agendas em torno da mobilidade urbana em sua diversidade, em especial de ativistas da ciclomobilidade e de pesquisadores e militantes pelo transporte público coletivo e da tarifa zero.
O IDP conta também com uma sede, trata-se de uma casa voltada à cultura, à formação, criação de projetos e acolhimento das lutas populares.
Nas mais diversas conjunturas enfrentadas desde 2013, o Instituto sempre se manteve fiel à sua missão na defesa da classe trabalhadora e do direito à cidade, desde a perspectiva da democracia popular. Partindo do balanço desta década de lutas e aprendizados, elencamos como desafios e propósitos para os próximos anos de atuação 10 pontos norteadores de nossa
atuação:
1 – Inserção da agenda da justiça ambiental como centralidade: a questão ambiental e as mudanças climáticas tornaram-se nessa última década um fato incontestável e urgente e que deve
atravessar toda seara de políticas públicas e formulação política. Desde a atuação junto aos conflitos fundiários, também percebemos que as comunidades e populações socialmente mais vulneráveis são as mais penalizadas com essas mudanças. Nesse sentido, apontamos como propósito e desafio primeiro de nossa
atuação nos próximos anos, agregar e incorporar o debate socioambiental a nossa atuação.
2 – Aproximação das agendas de luta do campo e da cidade:
com a pandemia e o agravamento da crise social assistimos ao retorno da fome nos centros urbanos e a um cenário de desagregação social. Esse contexto nos impele à necessidade de pensarmos também, desde a cidade, ativamente o projeto
de agricultura e de segurança alimentar de nosso país e a somar força aos movimentos populares do campo, pela compreensão de que a luta pela reforma agrária e pela produção de alimentos saudáveis para consumo das pessoas é estratégica e imprescindível também para os centros urbanos.
3 – Fortalecimento da pauta da mobilidade urbana:
nossa atuação na cidade, inicialmente voltada especialmente ao direito à moradia nos vem ensinando sobre a indissociabilidade da mobilidade como condição para a qualidade de vida e para o direito à cidade. Nesse sentido, buscamos para o próximo período a aproximação das agendas da moradia e a mobilidade, bem como o fortalecimento das articulações e reivindicações em
torno do transporte público coletivo e da mobilidade ativa.
4 – Aproximação das reivindicações culturais e de
democratização do espaço público: a defesa do direito à cidade em seu sentido amplo também passa pela garantia de outros direitos, como a cultura e o lazer. O Instituto apresenta como objetivo avançar na perspectiva da democratização do acesso à cultura e ao espaço público, enaltecendo as produções culturais periféricas e defendendo a descentralização das oportunidades, financiamentos e artistas para além dos circuitos centrais
tradicionais. Compreende-se a periferia como consumidor e produtor de cultura, sendo essencial a defesa destes aspectos como forma de exercer a cidadania.
5 – Fortalecimento e aproximação das agendas associadas
aos trabalhadores informais: na agenda trabalhista temos como centralidade a preocupação de refletir, dialogar e fortalecer as reivindicações da ampla gama de trabalhadoras e trabalhadores que assolados pelo crescente processo de terceirização, pejotização, trabalho plataformizado e fragmentação das bases de organização e luta da classe.
6 – Reflexão do direito ao trabalho a partir da
perspectiva dos direitos humanos: as reformas trabalhista e previdenciária, decorrentes da adoção e intensificação das políticas neoliberais, nos impele, urgentemente, ao debate sobre o controle da convencionalidade e o aperfeiçoamento dos saberes sobre as convenções e tratados internacionais afetos aos Direitos Humanos, pensando o trabalho sob o aspecto da existência
humana e da dignidade do trabalhador. A busca da efetividade imediata deste sistema normativo deve acontecer aqui e agora. De forma permanente, o IDP apresenta como objetivo estar inserido na classe trabalhadora para, junto dela
e com ela, promover reflexão e debates sobre as formas de resistência, sempre na perspectiva do protagonismo dos trabalhadores.
7 – Formação e qualificação da advocacia popular e da
litigância estratégica em direitos coletivos: tendo surgido do campo da advocacia, o IDP mantém como objetivo e preocupação constante fomentar processos de qualificação da advocacia popular e da advocacia comprometida com a classe trabalhadora, com os direitos sociais e direitos humanos.
8 – Fortalecimento da assessoria técnica popular:
pensando especialmente desde a atuação nos conflitos fundiários e socioambientais e da incidência na política urbana é transversal a disputa em torno de argumentos técnicos em todas nossas lutas. Nesse sentido, elencamos com propósito o fortalecimento das assessorias técnicas populares interdisciplinar como agenda necessária para a democratização do planejamento
urbano e do acesso à justiça.
9 – Fortalecimento da perspectiva de gênero e racial em
nossa atuação: O protagonismo feminista é evidente nas atuações do Instituto, tanto na equipe de trabalhadoras do IDP, que é formada exclusivamente por mulheres, como nas atuações nas comunidades, onde a maioria das lideranças sociais são mulheres negras. Assim, buscamos para os próximos anos aumentar nossas ações de enfrentamento às desigualdades que afetam de maneira desproporcional as mulheres, pessoas negras e outros grupos historicamente oprimidos.
10 – Defesa da democracia pelo território: nessa
década de atuação compreendemos paulatinamente que o sentido da democracia popular vem da força da organização comunitária, nesse sentido nos pautamos pela presença e fortalecimento das comunidades de base territorial e da ampliação de sua representação no espectro político institucional.